quinta-feira, 8 de maio de 2008

TEXTO SOBRE A CULTURA DO ENTRETENIMENTO - JOYCE e VINÍCIUS

Porque o entretenimento deverá ser objeto de estudo
e de ensino nas Escolas de Comunicação e de Negócios.


Joyce Ajuz Coelho*
Vinicius Andrade Pereira**



As práticas de ensino e de educação sempre justificaram seus objetos e ações a
partir de um vínculo inexorável com a idéia de cultura, entendida por sua vez, como o
conjunto de valores, saberes e conhecimentos que ampliavam a existência — fosse em
uma dimensão física, fosse em uma dimensão espiritual, ou intelectual.
Assim, da Grécia Antiga até a Modernidade, o conjunto cultural que deveria ser
sistematizado e ensinado na forma de disciplinas e de técnicas sempre se justificava
como parte fundamental do escopo da sociedade em questão.
Na Grécia do século V a.C., que via nascer a filosofia e a democracia, os
conjuntos de disciplinas valorizadas pela cultura se organizavam em torno do
quadrivium (Aritmética, Geometria, Música e Astronomia) e do trivium (Gramática,
Retórica e Dialética). Conhecimentos importantes para as práticas reflexivas e
discursivas exigidas pela filosofia e pela democracia e que foram, posteriormente,
incorporados como as Artes Liberais na Idade Média.
Em uma sociedade na qual a presença da guerra era uma constante, como na
sociedade romana do início da era Cristã, por exemplo, conhecimentos como a fundição
de metais, a montaria e o adestramento de cavalos, a confecção e o manuseio de armas,
ou a mecânica dos projéteis em queda livre, eram de enorme valor e, portanto,
ganhavam formas específicas de ensino, fosse através da transmissão sistemática para
grupos de pessoas, ou através da tradição, de pai para filho.
O importante sempre foi salientar a força do vínculo entre aquilo que se ensina e
a função deste conhecimento para o bem comum, para a sociedade como um todo e para
a preservação da cultura.
Dentro desta perspectiva, pensar o entretenimento como objeto de estudo, com o
objetivo de ensiná-lo de modo formal hoje, através de cursos de graduação e/ou de pós
graduação, requer apontar explicitamente para os ganhos deste ensino para a cultura
contemporânea. Contudo, tal projeto pode encontrar resistências, uma vez que a idéia de
entretenimento ao longo dos tempos parece, ao contrário, ter se oposto à própria idéia
de cultura.
A Língua Portuguesa já permite que se entreveja algumas acepções da palavra
entretenimento que parecem opô-la à idéia de cultura. Entretenimento pode ser um
divertimento ou passatempo por um lado, mas, também, uma delonga ou um logro, um
engano, um disfarce.
Como atividades leves e normalmente divertidas que se tinham entre os
intervalos de realizações de ocupações sérias — idéia contida no significado original da
palavra latina intertenere — o entretenimento passará a ser destacado como fenômeno
cultural na virada dos séculos XIX para o XX, representando acontecimentos sociais
relacionados ao divertimento, ao sensacionalismo popular, às expressões artísticas
superficiais. Será, então, criticado por aqueles que se julgavam legítimos defensores da
“cultura”, tomado como o conjunto de experiências cuja função primordial seria
preparar o homem neo-urbano aos ritmos intensos e caóticos das cidades e fábricas
modernas. Constitui-se, assim, como uma das forças que compunham a sociedade
moderna, sociedade esta que parecia ávida por um conjunto de experiências ricas em
estímulos — onde se destaca o entretenimento —, capazes de afetar e alterar o sistema
perceptivo humano, sendo assim nomeada como Modernidade Neurológica, nas
palavras de Ben Singer (2001).
Enquanto a cultura exigiria um comprometimento cognitivo para a sua
experiência e aquisição, sendo cumulativa e aliada do tempo, o entretenimento não
exigiria nenhuma pré-condição cognitiva, sendo momentâneo, não cumulativo e
anulador do tempo. Assim, ao lado da cultura estaria o tempo que transforma a
experiência em conhecimento, transformando, por fim, o próprio sujeito que conhece e
se aprimora. Ao lado do entretenimento o tempo não seria percebido. Quando isso se
desse seria não mais do que como um amontoado de instantes que passaram correndo
— quando terminamos de assistir a um filme divertido, por exemplo — e que nada
teriam acrescentado à experiência de vida, tendo apenas permitido o escape do sujeito
de si mesmo e dos seus problemas. Deste modo, a experiência do aprimoramento
pessoal e social seria prometida a quem percorresse um longo período investindo em
cultura, enquanto o entretenimento exigiria somente o tempo imediato, se dando e sendo
consumido no instante frívolo da emoção barata e vazia da diversão momentânea. A
cultura, portanto, teria a ver com as verdadeiras experiências e o entretenimento com as
pseudo-experiências (Gabler, 1999).
Todas essas idéias parecem sugerir que a cultura, por estar ligada diretamente à
educação, devesse ser sempre pública, enquanto que o entretenimento, relegado ao
volátil campo das mercadorias e do consumo, devesse ser sempre privado. Neste
sentido, o caráter nefasto do entretenimento se evidenciaria uma vez mais, pois, todos
teriam direito à cultura, mas, ao entretenimento, somente os que tivessem posses.
Contudo, apesar da aparente efemeridade e superficialidade do entretenimento, o
seu movimento de incorporação na cultura moderna e posteriormente na cultura
contemporânea se afirmou progressivamente. Primeiramente, ao ser identificado a bens
vendáveis e lucrativos voltados para as massas, passíveis de incrementarem o
capitalismo pós-industrial. Este fato se evidencia na inicial produção cinematográfica
que cresce vertiginosamente ao longo do século XX, passa pela expansão do jornalismo
e do comércio de impressos em geral e, em seguida, pela disseminação dos meios
massivos eletrônicos como o rádio, a tv e todos os seus produtos de entretenimento:
filmes, novelas, programas infanto-juvenis, programas jornalísticos etc. Hoje a indústria
do entretenimento se fortalece, principalmente, com o comércio dos jogos eletrônicos,
ramo de negócios que já bate o da produção cinematográfica em termos de faturamento.
No total, estima-se que hoje o mercado das indústrias do entretenimento
movimente mais de US$ 500 bilhões por ano, só nos EUA. Restrito ao contexto da
América Latina, uma análise de mercado realizada pela Price Waterhouse, para o
período de 2006 a 2010, aponta que esta será uma das regiões mais beneficiadas pelo
investimento em entretenimento. Como principais razões são destacadas: o crescimento
maior da população entre 40 e 64 anos (16%) — que é a faixa de maior poder
aquisitivo e que gasta mais em entretenimento; o crescimento da faixa entre 18 e 49
anos de 6,2% — faixa etária também expressiva no que diz respeito ao consumo de
entretenimento; a projeção de crescimento econômico da América Latina em 5,5% até
2010 e o aumento de investimentos internacionais nessa área.
Hoje, passado mais de um século desde a emergência dos primeiros produtos de
entretenimento voltados para grandes públicos, os valores morais que pareciam inibir o
livre uso-fruto do entretenimento parecem ter sido superados e o consumo do
entretenimento, ao contrário, parece redefinir identidades, como qualquer outro bem
tangível.
Consumimos entretenimento hoje na forma de parques temáticos como a Disney,
bandas de rock como os White Stripes, games como The Legend of Zelda, do mesmo
modo como consumimos roupas da grife Prada, bolsas Louis Vuitton ou cosméticos da
Lancôme, colhendo como resultado imediato deste consumo a imagem pública de nós
mesmo, que (re)desenhamos o tempo todo.
O aspecto mais interessante da cultura contemporânea em relação ao
entretenimento parece ser, entretanto, não a sua identificação às commodities, mas a sua
hibridação junto a produtos e serviços, como um bem agregado, sem o qual aqueles não
podem mais ser comercializados.
Não havendo mais uma rígida separação entre mundo do trabalho e diversão, o
entretenimento passou a ser um componente importante para atrair consumo e
oportunidades de negócios. Segundo Trigo (2003), não basta oferecer produtos ou
serviços, é preciso informar e divertir, gerar experiências para as pessoas.
Cada vez mais as pessoas querem diversão e prazer.Várias empresas entenderam
essas novas expectativas e passaram a oferecer aos seus clientes um pouco mais de
diversão ao lado das tradicionais ofertas agregadas ao produto, como eficiência,
segurança, confiabilidade, durabilidade, conforto ou rapidez na compra e na entrega.
Observamos, assim, que de um tipo específico de negócio o entretenimento começa a
ser entendido como uma ferramenta para alavancar negócios.
Secundariamente, então, o entretenimento se afirma como linguagem que
impregna as sociedades de uma nova experiência capaz de potencializar, além das
vendas de produtos e serviços, relações sociais e instituições as mais variadas:
educação, família, trabalho, práticas sociais ligadas à saúde, à estética e até mesmo às
religiões. Deste modo todas estas instituições e práticas se expressam através do
entretenimento, sendo agora alegres, divertidas e lúdicas.
Assim, hoje, se o entretenimento pode ser pensado como uma indústria que
diverte, emociona e movimenta bilhões de dólares com os seus filmes, músicas,
novelas, desenhos animados, jogos eletrônico, parques temáticos etc, por um lado, por
outro, precisa ser pensado e estudado como uma linguagem global que emerge e se
espraia por toda a cultura, como conseqüência direta, dentre outros fatores, da
experiência de consumo dos produtos massivos de entretenimento. A idéia aqui seria a
de que depois de décadas de consumo de produtos de entretenimento, tais como os
listados acima, a sociedade fala e demanda a linguagem do entretenimento como o
formato desejado para as suas transações.
Devem agora se expressar na linguagem do entretenimento – como um
imperativo – os chefes com os seus subordinados, o ilustre palestrante diante do seu
público de executivos, o professor com os seus alunos, o candidato político com o seu
potencial eleitorado, o pai com os seus filhos, os amantes entre si, o anunciante aos seus
consumidores, enfim, todos que buscam a boa comunicação.
Assim, os discursos, as metodologias de ensino e de pesquisa, os ideais políticos,
os valores éticos e os princípios morais, os sistemas de pensamento e os dogmas
religiosos, as marcas, as empresas e seus produtos, todos, sem exceção, devem se
apresentar envoltos no exuberante tecido do entretenimento. Todas as expressões, então,
nos novos tempos, parecem ganhar um ar leve, ágil, lúdico, divertido, engraçado,
colorido, multisensorial, para que possam ser reconhecidas, dignas de atenção e de
valor. Isto pode ser assustador? Talvez.
O importante é reconhecermos que o entretenimento ganha, finalmente, o status
de um objeto de conhecimento e de ensino na cultura contemporânea, quando se
apresenta como uma linguagem capaz de permear quase todos os produtos e serviços
oferecidos no mercado. Quando, na condição de linguagem, revela-se como um
importante agente nos processos de comunicação contemporâneos e, assim, como um
modo extremamente relevante de expressão da própria cultura em que vivemos.
Explicar como funciona, como se aplica e quais são os excessos da linguagem
do entretenimento, na cultura e mercados contemporâneos, passa a ser um desafio para
toda Instituição de ensino que deseja se manter alinhada aos objetivos acadêmicos das
dinâmicas de comunicação e de negócios, em tempos absurdamente velozes em seus
câmbios e transformações.


Referências Bibliográficas:Gabler, N. Vida, o filme; SP: Cia das Letras, 1999Singer, B. Modernidade, Hiperestímulo e o início do sensacionalismo popular, inCharney, L. e Schwartz, V.(orgs) O cinema e a invenção da vida moderna.; SP: Cosac &Naify, 2001.Trigo, L. - Entretenimento – Uma Crítica Aberta.; SP: SENAC, 2003


* Joyce Ajuz Coelho é Doutoranda em Comunicação pela ECO/UFRJ. É professora e diretora do Curso deAdministração da ESPM-RJ.

** Vinícius Andrade Pereira é Doutor em Comunicação pela ECO/UFERJ. É professor do programa de pós-graduação em Comunicação da UERJ e professor dos cursos de design e administração e chefe do departamento de disciplinas de Entretenimento da ESPM. É, ainda, pesquisador do CAEPM-ESPM.

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